Até há cerca de um ano, Nisa era, para mim, "simplesmente" uma aprazível terra de reencontros, descanso, artesanato e gastronomia, um "porto" pouco explorado e, por isso, ideal para 'fugir' de Lisboa.
Por circunstâncias do destino, os meus percursos profissionais começaram a cruzar-se com o concelho. E foi através desse trabalho que mergulhei mais a fundo nos locais, nas vidas, nos anseios, nos sonhos e nas expectativas das gentes locais.
Vejo ali, hoje, uma nobreza humana comovente, uma capacidade ímpar de resistir às adversidades, um espírito de união de quem rema contra as marés. Vejo uma repulsa inata à condição do isolamento e do esquecimento, buscando-se todos os dias o desenvolvimento, a criação de emprego, a melhoria da qualidade de vida e a fixação de populações.
Vejo uma natureza pura, quase primordial, com a qual as gentes aprenderam a ser unas, dando-lhe um respeito quase reverencial e ganhando, com isso, o prémio máximo da sustentabilidade.
Por todas estas razões - e tantas outras que seria fastidioso enumerar - não posso ficar indiferente à hipótese de toda esta realidade que aprendi a respeitar e amar poder ser posta em causa, com a exploração da jazida de urânio do concelho.
Os riscos da mesma são óbvios e indesmentíveis, segundo os ambientalistas. Quer em termos de saúde pública, quer em termos de comprometimento de toda a estratégia e investimentos de desenvolvimento económico em curso (e que gerarão, só por si, mais do dobro dos apregoados e supostos 70 postos de trabalho transitórios que viriam com a exploração mineira).
Além do mais, parte da jazida de Nisa está situada em áreas das reservas Ecológica e Agrícola Nacional. E estas áreas não foram fixadas por capricho, nem determinadas por acaso. Nem muito menos podem estar sujeitas a ser "massajadas" ou "reajustadas" ao sabor dos interesses de cada um, em cada hora.
Quantos serão os turistas que visitarão Nisa, se a jazida de urânio estiver a ser explorada? Não será óbvio que os lacticínios e enchidos da região sofrerão uma quebra de vendas brutal? Quem quererá tratar-se numas termas de um concelho onde a mineração exaustiva poderá contaminar os recursos hídricos? Como pode Nisa estar tranquila, face aos exemplos bem actuais de Urgeiriça e Cunha Baixa, onde "nunca haveria problemas" e hoje é o que se vê e sabe? E como pode o actual Governo, publicamente contra a opção nuclear para fins energéticos, pretender lançar um concurso para fornecer material radioactivo a países terceiros? Não pode, obviamente, a não ser que estejamos nos terrenos da hipocrisia.
Enquanto cidadão Português, não concebo nem admito que se deseje angariar recursos económicos à custa de (mais) uma população já de si sacrificada pela simples localização geográfica, sugando-lhe novas golfadas do sangue e suor da terra por seis a oito anos, deixando-a depois entregue à sua sorte.
Diz Luís Martins, director de prospecção de minérios metálicos do INETI - Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação e partidário da exploração de urânio em Nisa, que “Portugal não é um país rico e não pode desperdiçar os seus recursos”.
Ora, é contra esta mentalidade que cada vez mais me insurjo. O desenvolvimento e o abastecimento dos cofres do Estado do meu país não pode ser feito canibalizando partes do seu próprio corpo, como se de uma praga de gafanhotos se tratasse, atacando vorazmente as zonas fora dos centros decisórios e urbanos.
A Nisa, pede-se e exige-se que as forças vivas do concelho estejam atentas e activas - e cada vez mais - com vista a não serem colocadas face a factos consumados. Nada pode permitir-se ser feito sem uma ampla e clara discussão pública prévia, sem que as populações estejam informadas e conscientes de todos os riscos envolvidos e possam, assim, decidir em consciência. Mesmo que essa decisão seja contra as costas cada vez mais largas do "superior interesse nacional"...
Também por isso, nasce este magro contributo pessoal. Um blogue que procurará compilar e agregar artigos de opinião/científicos, divulgar links respeitantes à matéria e difundir notícias respeitantes à indesejada hipótese desta exploração mineira radioactiva, a céu aberto, no concelho.
E para todos os não-residentes em Nisa que possam pensar, à partida, que esta situação de potencial e gritante agressão ambiental não lhes diz respeito, fica o aviso, oportuno: "hoje é ali, mas amanhã pode ser à porta das vossas casas".